German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv)
Halle-Jena-Leipzig
 
19.11.2020 | Português

Quem come quem nos solos? Ecólogos de solos como detetives do labirinto escuro abaixo dos nossos pés

Figura 1: Organismos em uma típica teia alimentar do solo. (A) Uma teia alimentar contém fontes alimentares básicas, como raízes de plantas e organismos mortos, bem como consumidores primários e secundários e uma série de predadores. As setas indicam quem consome o quê ou quem. Note que os consumidores primários são uma fonte alimentar para os consumidores secundários, que são eles próprios uma fonte alimentar para os predadores. (B) Aqui você pode ver exemplos de consumidores primários e secundários do solo, bem como de predadores.

Figura 2: Determinando o que os organismos do solo comem através da observação de marcadores de ácidos graxos. (A) Os animais do solo têm diferentes tipos de gorduras nos seus corpos, dependendo das fontes alimentares que comem, tais como bactérias, fungos ou folhas mortas. (B) As gorduras podem ser extraídas (removidas) destes animais sob a forma de ácidos graxos. (C) Estes ácidos graxos podem então ser analisados utilizando um equipamento chamado cromatógrafo a gás. Os dados do cromatógrafo a gás permitem aos pesquisadores identificar quais os alimentos que os organismos do solo comeram.

Figura 3: Os animais desenvolveram formas de lidar com a dificuldade de se alimentar no solo escuro. (A) Pequenos buracos no solo proporcionam um lugar para organismos minúsculos do solo (nematóides, protistas e bactérias) se esconderem dos animais que os comem. (B) Para alcançar a sua presa, uma ameba (um tipo de protista) pode estender um braço de 20 micrômetros de comprimento e 1 micrômetro de espessura para capturar bactérias escondidas em pequenos buracos no solo. (C) Colêmbolos são flexíveis nas fontes alimentares que consomem, permitindo-lhes ter algo para comer todos os dias. (D) As minhocas ingerem o solo juntamente com a sua comida e digerem as bactérias e fungos contidos no solo ingerido. Isto também cria um caminho através do labirinto do solo, facilitando-lhes a viagem através dele. Lembre-se que 1 micrômetro é 1000 vezes menor do que 1 mm.

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Amandine Erktan 1*, Melanie M. Pollierer 1 and Stefan Scheu 1,2

1 J.F. Blumenbach Institute of Zoology and Anthropology, University of Göttingen, Göttingen, Germany
2 Centre of Biodiversity and Sustainable Land Use, University of Göttingen, Göttingen, Germany

Você já reparou que as folhas mortas nunca se acumulam nas florestas? Para esse serviço, podemos agradecer a uma equipe de limpeza composta por pequenos recicladores que vivem no solo. Organismos mortos são a sua fonte alimentar, e eles os reciclam simplesmente os comendo. Saber quem come o que ou quem nos solos é essencial para compreender essa maquinaria de reciclagem. Mas isso é difícil de se saber, porque muitos animais do solo são minúsculos, se escondem no solo e são incapazes de nos dizer o que comeram! Para contornar estas dificuldades, ecólogos de solos desenvolveram um método especial. Eles rastreiam marcadores específicos de bactérias, fungos e de plantas na gordura de animais e, assim, podem identificar do que estes animais se alimentavam. Alguns animais consomem uma ampla variedade de fontes alimentares, outros são mais específicos. Notavelmente, muitos organismos desenvolveram estratégias surpreendentes para se alimentarem no solo, porque encontrar comida em um labirinto tão escuro não é assim tão fácil!

POR QUE É IMPORTANTE COMPREENDER QUEM COME QUEM OU O QUÊ NOS SOLOS?

Já reparou que nunca vemos enormes pilhas de folhas mortas se acumulando na floresta? Também é muito raro encontrar um animal morto deitado no chão da floresta. Isso deve nos encorajar a fazer a pergunta: “quem está limpando o chão da floresta?” Nas cidades, os trabalhadores removem todas as folhas mortas. Na floresta, o trabalho é feito por uma equipe de pequenos recicladores que vivem no solo. Para estes pequenos animais do solo, os organismos mortos são uma fonte de alimento e eles reciclam as folhas e outras coisas mortas pelo simples ato de comê-las. Quando os animais do solo defecam (ou seja, fazem cocô) eles liberam nutrientes que podem ser utilizados pelas plantas para crescer. Ou então, os pequenos animais do solo são comidos por animais maiores, e isso permite que os animais maiores cresçam. Este processo permite a reciclagem de nutrientes e é essencial para ajudar o crescimento das plantas. É também muito importante para os seres humanos, pois as plantas nos fornecem muitos bens, como alimentos (ex., vegetais), cereais, frutas e madeira para construir móveis e casas. Compreender quem consome o quê no solo é essencial para compreender esta preciosa maquinaria de reciclagem.

QUE TIPO DE ALIMENTO ESTÁ NO SOLO…E O QUE É UMA TEIA ALIMENTAR DO SOLO?

Que tipo de alimentos se encontram no solo? Se você cavar o solo da floresta, não encontrará um prato com espaguete à Bolonhesa! Não estamos falando deste tipo de comida, é claro! No solo, as fontes alimentares básicas são os tecidos mortos das plantas e de outros organismos (folhas mortas ou organismos mortos do solo de qualquer tamanho), e raízes de plantas (Figura 1A). Estas fontes alimentares básicas são consumidas principalmente por bactérias e fungos, que são chamados de consumidores primários. Os próprios fungos e bactérias são a principal fonte alimentar para organismos maiores, tais como os protistas, nematóides, colêmbolos e ácaros (cerca de 0,1 a 2 mm; Figura 1). Estes organismos são novamente consumidos por predadores maiores (alguns milímetros de tamanho), tais como centopéias e aranhas (Figura 1B). As minhocas também comem principalmente bactérias e fungos, mas de uma forma especial, elas as comem juntamente com o solo (Figura 1B). Isso seria como se você comesse a comida no seu prato juntamente com o prato!

Embora alguns animais do solo, como os colêmbolos ou nematóides, comam principalmente pequenos seres vivos, como bactérias e fungos, eles também podem comer tecido vegetal, particularmente as raízes ou líquidos nutritivos liberados pelas raízes. Conjuntamente, existem muitas fontes alimentares no solo, desde tecidos vegetais a animais e organismos vivos a mortos, sendo que a maioria dos organismos do solo consomem várias destas fontes. O conjunto total das ligações de quem consome o que ou quem é chamado de teia alimentar do solo (Figura 1A).

 

COMO ESTUDAMOS AS TEIAS ALIMENTARES DO SOLO?

Apesar de toda a pesquisa que tem ocorrido nas últimas décadas, os pesquisadores ainda sabem pouco sobre quem consome o que ou quem no solo. Esta falta de conhecimento se deve ao fato de os animais do solo serem minúsculos, ficarem escondidos no solo e não poderem nos dizer o que comeram! Para saber quem consome o que no solo, os pesquisadores devem agir como detetives. Eles desenvolveram um método curioso: eles estudam a gordura dos animais do solo (Figura 2). Quando você come algo, a comida serve como uma fonte de energia, assim você pode crescer e ser ativo. No entanto, você não pode usar toda a energia de uma vez só, de modo que seu corpo deve armazená-la para uma utilização futura. Como a energia é armazenada? Quando comemos mais do que necessitamos em determinado momento, o corpo acumula gordura como um tecido armazenador de energia. A gordura será posteriormente “queimada” para virar energia quando precisarmos dela. Tanto para os seres humanos como para os animais é ainda mais fácil para o corpo absorver e armazenar a gordura que já está nos alimentos, ao invés de produzir nova gordura. Agora, o truque é que nem toda gordura é igual! Bactérias, fungos e plantas possuem diferentes tipos de gordura, e os pesquisadores podem rastrear os chamados marcadores de ácidos graxos nos animais que consumiram estas fontes alimentares [1]. Assim, no final, podemos identificar se a gordura armazenada em um animal provém de bactérias, fungos ou plantas – e assim saber o que ele comeu.

GENERALISTAS ALIMENTARES VS. ESPECIALISTAS ALIMENTARES

Ao estudar a gordura dos animais do solo, pesquisadores descobriram que muitos colêmbolos se alimentam preferencialmente de fungos, mas também podem comer bactérias ou plantas. Por poderem comer diferentes fontes alimentares, eles são considerados generalistas alimentares [2]. Isto significa que não é difícil satisfazê-los se os convidarmos para jantar! Alguns outros organismos são especialistas alimentares e tendem a comer apenas uma coisa. Por exemplo, alguns nematóides preferem comer bactérias, enquanto outros preferem fungos. Existem até nematóides predadores que comem outros nematóides! Cada classe de nematoide possui uma forma de boca distinta, específica para comer um determinado tipo de alimento.

POR QUE É TÃO ESPECIAL SE ALIMENTAR NO SOLO?

O solo é escuro! Alguma vez você já tentou comer o seu jantar no escuro? Não é assim tão fácil encontrar onde está a comida. Os animais do solo possuem o mesmo problema. Olhos não funcionam no solo, por isso, muitos animais do solo nem sequer os têm. Por outro lado, a maioria dos animais do solo tem “narizes” muito bons. Por exemplo, nematóides, colêmbolos e minhocas são muito eficientes em cheirar seus alimentos. Eles podem detectar a localização do seu alimento e se mover em sua direção. Nematóides podem “cheirar” bactérias até 50 cm de distância e alcançá-las em duas semanas [3]. Esta é uma distância considerável para um nematoide, uma vez que estes pequenos vermes têm normalmente apenas algumas centenas de micrômetros (1 micrômetro = 0,001 mm; para comparação, a largura de um fio de cabelo humano é de 100 micrômetros). Isto seria como o ser humano ser capaz de cheirar alimentos a cerca de 70 km de distância!

O solo não é apenas escuro, ele também é um labirinto através do qual os organismos do solo não podem se mover livremente. O solo é como uma esponja com buracos grandes e pequenos. Os organismos menores, como as bactérias, medem tipicamente de um a dois micrômetros e podem se “esconder” em pequenos buracos. Por exemplo, sabemos que protistas (Figura 1) não podem alcançar as presas bacterianas se as bactérias estiverem localizadas em buracos menores do que 2-3 micrômetros [4] (Figura 3A). O mesmo se aplica aos nematóides, que não podem comer bactérias localizadas em buracos com aberturas menores do que 30 micrômetros [4] (Figura 3A). Quanto menores os buracos no solo, mais as bactérias podem se esconder neles e evitar de serem capturadas e comidas por predadores. Mas, apesar destes problemas, os predadores desenvolveram estratégias para se alimentarem. Por exemplo, as amebas (plural de “ameba”) são protistas com corpos moles que podem adotar qualquer forma (Figura 3B). As amebas podem estender um “braço” muito fino e longo para dentro de buracos pequenos do solo para capturar bactérias escondidas [5]. Colêmbolos possuem uma estratégia diferente: eles simplesmente não são muito exigentes quanto às fontes alimentares que consomem – eles são generalistas alimentares. Eles podem se alimentar de bactérias e fungos, mas também de folhas mortas e nematóides (Figura 3C). Dependendo do que está disponível nos pequenos buracos do solo por onde passam, eles comem uma ou outra fonte alimentar. Esta flexibilidade os ajuda a ter algo para comer todos os dias. As minhocas são menos afetadas pelas dificuldades de acesso aos alimentos no solo. Estes animais ingerem diretamente o solo, permitindo-lhes procurar e acessar facilmente os alimentos no labirinto do solo. Além disso, eles podem digerir bactérias e fungos, assim como material vegetal morto que é ingerido com o solo. Quando as minhocas fazem cocô, as sobras não digeridas normalmente formam pequenas tigelas de solo.

UM NOVO OLHAR SOBRE A ALIMENTAÇÃO EM UM LABIRINTO ESCURO

Se alimentar no solo é como encontrar comida em um labirinto escuro. Para compreender quem come quem na escuridão do solo abaixo dos nossos pés, os ecólogos de solos têm de agir como verdadeiros detetives e utilizar todo tipo de técnicas complicadas, seja na floresta ou no laboratório. Agora que vocês sabem o que é se alimentar no solo, nunca mais olharão para os animais do solo da mesma forma!

GLOSSÁRIO

Consumidores primários
Organismos que consomem diretamente o material vegetal morto.

Teia alimentar do solo
Todas as ligações indicando quem come quem ou o que no solo.

Marcadores de ácidos graxos
Moléculas de gordura que são específicas de uma fonte alimentar, tais como bactérias ou fungos.

Generalista alimentar
Organismos do solo que consomem muitos tipos de recursos alimentares.

Especialista alimentar
Organismos do solo que consomem especificamente apenas um ou poucos tipos de recursos alimentares.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado a partir do programa de pesquisa e inovação Horizon 2020 da União Europeia no âmbito do acordo de subvenção Marie Skłodowska-Curie n.º [750249]. Somos gratos a Audrey Marville por ter ilustrado os animais do solo.

REFERÊNCIAS

  1. Ruess, L., and Chamberlain, P. M. 2010. The fat that matters: soil food web analysis using fatty acids and their carbon stable isotope signature. Soil Biol. Biochem. 42:1898–910. doi: 10.1016/j.soilbio.2010.07.020
  2. Digel, C., Curtsdotter, A., Riede, J., Klarner, B., and Brose, U. 2014. Unravelling the complex structure of forest soil food webs: higher omnivory and more trophic levels. Oikos 123:1157–72. doi: 10.1111/oik.00865
  3. Rasmann, S., Köllner, T. G., Degenhardt, J., Hiltpold, I., Toepfer, S., Kuhlmann, U., et al. 2005. Recruitment of entomopathogenic nematodes by insect-damaged maize roots. Nature 434:732. doi: 10.1038/nature03451
  4. Rønn, R., Vestergård, M., and Ekelund, F. 2012. Interactions between bacteria, protozoa and nematodes in soil. Acta Protozool. 51:223–35. doi: 10.4467/16890027AP.12.018.0764
  5. Foster, R. C., and Dormaar, J. F. 1991. Bacteria-grazing amoebae in situ in the rhizosphere. Biol. Fertil. Soils 11:83–7. doi: 10.1007/BF00336368

 

EDITED BY: Rémy Beugnon, German Centre for Integrative Biodiversity Research(iDiv), Germany

CITATION: Erktan A, Pollierer MM and Scheu S (2020) Soil Ecologists as Detectives Discovering Who Eats Whom or What in the Soil. Front. Young Minds 8:544803. doi: 10.3389/frym.2020.544803

VERKLARING BELANGENVERSTRENGELING: De auteurs verklaren dat het onderzoek werd uitgevoerd zonder enig commercieel of financieel belang wat kan worden opgevat als potentiële belangenverstrengeling.

COPYRIGHT © 2020 Erktan, Pollierer and Scheu.This is an open-accessarticle distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License(CC BY). The use, distribution or reproduction in other forums is permitted, providedthe original author(s) and the copyright owner(s) are credited and that the originalpublication in this journal is cited, in accordance with accepted academic practice.No use, distribution or reproduction is permitted which does not comply with theseterms.

 

JOVENS REVISORES

CECÍLIA, IDADE: 9
Cecília é uma jovem brilhante que adora jogar xadrez e é muito curiosa sobre todo o tipo de coisas aleatórias. Ela só quer saber como tudo funciona e gosta de mais tarde mostrar o...todos os fatos que o seu cérebro acumulou.

NYNKE, IDADE: 12
Olá, meu nome é Nynke

AUTORES

AMANDINE ERKTAN
Sou pós-doutoranda na Universidade de Göttingen na Alemanha. Sou interessada em compreender como os organismos vivos moldam a estrutura do solo e vice-versa. A princípio trabalhei com raízes de plantas e estudei a forma como elas estruturam o solo. Rapidamente percebi que as raízes não são os únicos engenheiros do solo. Existem inúmeros microrganismos e animais do solo e os seus papéis são cruciais para determinar a estrutura do solo. Estou agora a adquirir novas competências ao estudar animais do solo e espero lançar luz sobre como as raízes das plantas, microrganismos e animais do solo interagem na matriz do solo.

MELANIE M. POLLIERER
Sou pós-doutoranda na Universidade de Göttingen, Alemanha. Meu principal interesse diz respeito às teias alimentares de animais do solo. Uma vez que é difícil observar o que os animais do solo realmente comem, eu uso métodos indiretos para saber mais a respeito. Na minha tese de doutorado eu analisei ácidos graxos de animais do solo e acompanhei o destino do carbono marcado das plantas aos animais. Atualmente, utilizo outro método novo: eu analiso formas estáveis de carbono e nitrogênio em aminoácidos, permitindo obter informações ainda mais detalhadas sobre a dieta dos consumidores.

STEFAN SCHEU
Ao estudar biologia em Tübingen e Göttingen entre 1979 e 1986, fiquei fascinado com a enorme diversidade e o importante papel dos invertebrados do solo. Desde então, eu tenho investigado a estrutura e o funcionamento das comunidades animais do solo, primeiro durante meu doutorado na Universidade de Göttingen e depois como pós-doutorando em Calgary e Göttingen. Em 1997, eu estabeleci o meu próprio grupo de pesquisa como professor de Zoologia e Ecologia na Universidade de Tecnologia de Darmstadt, e em 2008 voltei a Universidade de Göttingen como professor de Ecologia Animal. Aqui, investigamos a estrutura, função e evolução das espécies e comunidades de animais do solo. 

TRADUTOR

VINICIUS TIRELLI POMPERMAIER
PhD in Ecology from the University of Brasilia (UnB), Brasília, DF, Brazil; Doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

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