German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv)
Halle-Jena-Leipzig
 
13.11.2020 | Português

Bactérias no solo mantém seu hambúrguer “saudável”

Figura 1: As bactérias, ao contrário da maioria dos outros organismos, podem alterar seus genes. (A) Escherichia coli cepa O157:H7 tem genes que foram deixados para trás por um vírus que a infectou. (B) O157:H7 também pegou genes do ambiente. As bactérias também podem pegar genes de outras bactérias.

Figura 2: Muitos caminhos para um hambúrguer. A carne de vacas infectada acaba em hambúrgueres crus, e a Escherichia coli é excretada do intestino da vaca para o solo como esterco, onde as bactérias nativas competem com ela. Se a E. coli persistir e puder crescer no solo, pode contaminar culturas como alface, espinafre e cebola.

Note for the media: Use of the pictures provided by iDiv is permitted for reports related to this media release only, and under the condition that credit is given to the picture originator.

Open PDF in new window.

Stephanie D. Jurburg 1
1 German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv), Leipzig, Germany

Em 1993, um surto da bactéria Escherichia coli deixou mais de 700 pessoas doentes nos Estados Unidos. Um tipo especial de E. coli, chamado cepa O157:H7, que vive no trato intestinal do gado, e que se espalha para a água e para o adubo através do esterco de vaca. A cepa O157:H7 pode sobreviver por muitos meses na água ou no adubo, até chegar aos humanos através da carne ou vegetais, causando doenças. No entanto, a E. coli sobrevive muito menos tempo no solo, pois no solo compete com os diversos tipos de bactérias já presentes no solo. Para as bactérias do solo, a cepa O157:H7 é invasora, e os invasores dependem dos “restos” para sobreviver. Em comunidades mais ricas, menos recursos são deixados para trás e é mais difícil para os organismos diferentes, invadirem. É por isso que a E. coli O157:H7 é menos bem-sucedida no solo, o ecossistema mais diversificado da Terra, e é uma das muitas razões pelas quais as bactérias do solo são importantes para nossa saúde.

ESCHERICHIA COLI ATACA NOVAMENTE!

Em 1993, um surto da bactéria Escherichia coli fez com que mais de 700 pessoas adoecessem gravemente nos Estados Unidos. O culpado foi carne crua de hambúrguer. Treze anos depois, outro surto de E. coli em espinafres pré-embalados causou alarme em todo o país. Desta vez, a fonte era uma fazenda de gado ao lado de uma fazenda de espinafre. Desde então, os surtos de E. coli começaram a partir do consumo de queijo, cebola, soja e, mais recentemente, alface romana. Esses surtos foram sempre causados pela mesma bactéria: E. colicepa O157:H7. Quem é essa bactéria e por que ela ainda está causando surtos de doenças? Continue lendo para aprender mais!

A HISTÓRIA E AS CARACTERISTICAS DA E. COLI

A maioria das bactérias que conhecemos hoje foram descobertas nos últimos 10 anos. No entanto, E. coli é a exceção. Essa bactéria foi descoberta no cólon de humanos saudáveis em 1885, pelo pediatra Theodor Escherich, que dá nome à bactéria. Coli refere-se ao seu habitat, o cólon (parte final do intestino). Por crescer tão bem em laboratório, os microbiologistas continuaram a estudar a E. coli para entender como as bactérias crescem e respondem ao ambiente.

Muitas das características que tornam a E. coli um organismo tão usado para estudos, também fazem essa bactéria se destacar. Primeiro, a E. coli cresce muito bem se receber as fontes de alimento certas – e há muitas fontes de alimento que são “certas” para essa bactéria. Com comida suficiente, a E. coli pode crescer muito rapidamente: de uma única célula a um milhão de células em 7 horas! Em segundo lugar, as bactérias podem alterar seus genes, e a E. coli é especialmente boa nisso (Figura 1). Os genes são o manual de instruções da célula e, ao contrário de organismos maiores, como animais, as bactérias podem trocar genes entre si, receber genes de um vírus ou pegar genes do ambiente. Quando uma bactéria muda seus genes, seus comportamentos e habilidades também mudam, e seus descendentes, que herdam os mesmos novos genes, tornam-se membros de um grupo específico – assim como você e os outros membros de sua família compartilham muitas características. Em vez de nomes de família, as cepas geralmente são identificadas por um codinome de letras e números, como por exemplo O157:H7.

A SUPER CEPA O157:H7

Milhares de células de E. coli de diferentes linhagens vivem no intestino humano saudável e nos protegem de outras bactérias patogênicas ou causadoras de doenças, como a Salmonella. Mas não é isso que a cepa O157:H7 faz. Descoberta pela primeira vez em 1983, a cepa de E. coli O157:H7 infecta cerca de 73.000 pessoas por ano somente nos Estados Unidos [1]. O que torna essa cepa única é o conjunto de genes que ela adquiriu: esse conjunto de genes confere à cepa O157:H7 a capacidade de produzir a toxina Shiga, que é a substância venenosa que deixa as pessoas infectadas doentes. Produzir veneno não é suficiente para se tornar uma ameaça à nossa saúde. A cepa O157:H7 também se comporta de uma maneira que a torna um organismo patogênico: ela tenta se espalhar ativamente. Nem todas as cepas de E. coli fazem isso. Esse comportamento de disseminação também é resultado de genes retirados do ambiente (Figura 1).

Desde 1993, tem havido surtos quase anuais da doença causada por O157:H7. Por que eles ainda acontecem? A resposta simples é que existem muitas maneiras pelas quais a E. coli pode atingir sua comida. Se a carne usada para fazer seu hambúrguer veio de uma vaca infectada, seu hambúrguer provavelmente está contaminado, mas isso não é um problema, porque hambúrgueres nunca são comidos crus. Quando você cozinha seu hambúrguer, a E. coli presente é morta pelo calor, e a carne é segura para comer. Mas vegetais como alface são frequentemente consumidos crus e, nesse caso, as bactérias podem estar vivas quando você as come.

A E. coli normalmente vive no intestino do gado por semanas até meses, onde não causa doença (Figura 2). As fezes desses animais contêm muitas células de E. coli: um único grama de fezes de uma vaca infectada pode conter mais de 50 milhões de células de E. coli, e é extremamente difícil se livrar delas quando elas saem da vaca através do esterco. O estrume pode hospedar essas bactérias por mais de 21 meses, dando às bactérias muitas oportunidades de atingir osolo. Se o esterco chegar à água, as bactérias podem sobreviver por mais de 8 meses e, durante esse período, também podem entrar no solo, quando a água é usada para irrigar as plantações. Uma vez no solo, a E. coli pode entrar em contato com as plantas cultivadas, resultando em frutas e vegetais contaminados.

BACTÉRIAS DO SOLO, UMA SOLUÇÃO

Dado o tempo que essas bactérias podem viver e quão facilmente elas se espalham, por que a E. coli é relativamente rara? A resposta: as bactérias do solo. Para contaminar nossos vegetais, a E. coli deve sobreviver no solo, mas sua capacidade de fazê-lo é limitada. No solo, a E. coli só pode sobreviver por 3 meses. Os cientistas consideram que a diversidade de bactérias naturais do solo, ou o número de diferentes tipos de bactérias que vivem naturalmente lá, fazem toda a diferença [2]. Nenhum ambiente é mais diverso do que o solo. Um único punhado de solo pode conter 10.000 espécies de bactérias diferentes [3], e muitas vezes, muitas delas são cepas não infecciosas de E. coli. Em vários experimentos, os cientistas mostraram que quanto mais diversidade um solo tem, mais difícil é para bactérias perigosas invadi-lo com sucesso. A razão para isso parece ser a disponibilidade de recursos que as bactérias invasoras precisam para sobreviver [4]. O consumo de recursos das bactérias é semelhante às preferências alimentares em animais, já que diferentes cepas de bactérias consomem recursos diferentes. Quando um ambiente como o solo possui uma alta diversidade de bactérias naturais, a comunidade bacteriana consome uma ampla gama de recursos, não deixando nada para trás. Quando a E. coli chega neste ambiente, ela não é capaz de se alimentar ou crescer e, portanto, morre. Grupos menos diversos de bactérias não podem consumir todos os recursos, deixando “sobras”, que a E. coli pode usar para crescer e se espalhar.

COMO OS ANTIBIÓTICOS AJUDAM A E. COLI

Então, agora você sabe que a diversidade de bactérias no solo é importante porque garante que restem poucos recursos para as bactérias causadoras de doenças. Infelizmente, as bactérias do solo são constantemente ameaçadas por antibióticos. Os seres humanos usam antibióticos para combater doenças em animais e em si mesmos, mas os solos são expostos a antibióticos de maneiras que não esperávamos inicialmente. Considere como o solo pode ser contaminado com a cepa patogênica de E. coli: esterco de vaca. Para evitar surtos de doenças, as vacas geralmente recebem grandes quantidades de antibióticos. Estes não são totalmente consumidos por seus corpos e podem ser liberados no meio ambiente através da urina e do esterco. Mas isso é apenas o começo. O esgoto contém muitos antibióticos liberados da mesma forma pelos humanos e pela água das pisciculturas, que também é rica em antibióticos. Essas águas se misturam aos rios, que são então usados para irrigar os solos para a agricultura. Uma vez que os antibióticos atingem o solo, eles matam a maioria das bactérias boas do solo, deixando para trás recursos que as bactérias patogênicas podem usar para crescer e se multiplicar, potencialmente espalhando doenças. Um grupo crescente de países ao redor do mundo criou leis para limitar o uso de antibióticos em animais como o gado, para de reduzir a disseminação de antibióticos no meio ambiente e melhorar a saúde de seus cidadãos, mas também da vida selvagem.

BACTÉRIAS: UMA PEQUENA ESTRADA PELA FRENTE

Os seres humanos sabem que as bactérias causam doenças desde 1800, mas ainda estamos aprendendo as maneiras pelas quais as bactérias podem prevenir doenças. Na verdade, só começamos a ver toda a extensão da diversidade bacteriana nos últimos 20 anos. Costumávamos pensando que um ambiente limpo era um ambiente estéril, sem nenhuma bactéria. À medida que coletamos mais e mais informações sobre o mundo bacteriano, nossa definição do que é limpo está mudando, de uma ênfase na falta de bactérias para focar em ter as bactérias certas que podem impedir que as bactérias patogênicas invadam.  Agora sabemos que as bactérias estão em toda parte, e não é possível viver sem elas. Nossa pesquisa está mudando, de tentar manter nosso mundo livre de bactérias para aprender a selecionar as bactérias certas: aquelas que ajudam nossos ambientes e nossos corpos a se manterem saudáveis. Ainda há muitas perguntas sem resposta. Por exemplo, quem são as bactérias certas e o que as torna tão especiais?

GLOSSÁRIO

Cepa
Um subtipo de uma espécie bacteriana que tem pequenas diferenças em seus genes de outras cepas da mesma espécie.

Gene
Um segmento de DNA contendo instruções para construir uma proteína.

Patógeno
Um organismo que pode causar doença.

Diversidade
O número de espécies diferentes em uma comunidade.

REFERENCES

[1] Lim, J. Y., Yoon, J. W., and Hovde, C. J. 2013. A brief overview of Escherichia coli O157:H7 and its plasmid O157. J. Microbiol. Biotechnol. 20:5–14. doi: 10.4014/jmb.0908.08007

[2] Thakur, M. P., Putten, W. H., Cobben, M. M. P., Kleunen, M., and Geisen, S. 2019. Microbial invasions in terrestrial ecosystems. Nat. Rev. Microbiol. 17:621–31. doi: 10.1038/s41579-019-0236-z

[3] Le Roux, X., Recous, S., and Attard, E. 2011. “Soil microbial diversity in grasslands,” in Grassland Productivity and Ecosystem Services, eds G. Lemaire, J. Hodgson, and A. Chabbi (CAB International). p. 158–65.

[4] Eisenhauer, N., Schulz, W., Scheu, S., and Jousset, A. 2013. Niche dimensionality links biodiversity and invasibility of microbial communities. Funct. Ecol. 27:282–8. doi: 10.1111/j.1365-2435.2012.02060.x

 

EDITED BY: Malte Jochum, German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv), Germany

CITATION: Jurburg SD (2020) Bacteria in Soil Keep Your Hamburger “Healthy”. Front. Young Minds 8:545905. doi: 10.3389/frym.2020.545905

CONFLICT OF INTEREST: The author declares that the research was conducted in the absence of any commercial or financial relationships that could be construed as a potential conflict of interest.

COPYRIGHT © 2020 Jurburg. This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License (CC BY). The use, distribution or reproduction in other forums is permitted, provided the original author(s) and the copyright owner(s) are credited and that the original publication in this journal is cited, in accordance with accepted academic practice. No use, distribution or reproduction is permitted which does not comply with these terms.

 

JOVENS REVISORES

MADDIE, AGE: 14
My name is Maddie. I am 15 years old, and live near San Francisco.

MATÍAS, AGE: 15
I am a 14 years old who loves science, programming, Vikings, mythology, Jiu-Jitsu, rock and roll, singing, and playing drums.

TACY, AGE: 13
Hi I am Tacy. I am 13, and live near San Francisco. I like drawing, videogames, and playing guitar.

AUTOR

STEPHANIE D. JURBURG
Stephanie Jurburg is an enthusiast of all things tiny. For nearly a decade, she has studied how the bacteria living in and around us shape our world, making us healthy or unhealthy and keeping our soils fertile. She is particularly interested in how communities of bacteria change over time, and how they recover when they are disturbed. Currently, she is a researcher at the German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv), where she studies how the bacterial communities in different environments are alike. *s.d.jurburg@gmail.com

TRADUTOR

ISIS PETROCELLI

 

Share this site on:
iDiv is a research centre of theDFG Logo
toTop